<em>Alertas</em>
Estamos a menos de um ano da Presidência Portuguesa da União Europeia, que será no segundo semestre de 2007, estando ainda presente na memória o que foi a última Presidência, no primeiro semestre de 2000, quando era primeiro-ministro o engenheiro António Guterres. Foi, então, aprovada a estratégia de Lisboa, recentemente revista para acentuar o seu lado neoliberal e impositivo através dos Planos Nacionais de Reforma, o que tem servido de suporte às liberalizações e privatizações (energia, transportes, correios e telecomunicações, serviços financeiros e a famigerada «directiva Bolkestein» na área dos serviços, incluindo os públicos), à desregulamentação laboral, à precarização do trabalho e aos ataques à segurança social.
Surgiu, entretanto, a proposta da dita constituição europeia, visando a consagração de todos estes instrumentos num documento e numa construção global que dote as instituições dos mecanismos legais que permitam levar à prática os objectivos do capitalismo, nesta sua fase mais agressiva, de concentração/centralização do capital nos grandes grupos económico-financeiros.
É certo que a elite dirigente não está sozinha. A luta de classes e a luta dos povos existe. Por isso, este caminho do capitalismo não é uma auto-estrada. Os escolhos surgiram e algo foi interrompido, pelo menos temporariamente, como aconteceu o ano passado, com o não à dita constituição europeia nos referendos da França e da Holanda, embora estejam a procurar caminhos alternativos para chegar ao mesmo destino, de que a proposta de directiva dos serviços é um exemplo.
Mas também esses caminhos podem ser interrompidos, como aconteceu com a proposta de directiva de liberalização dos portos. Depende da luta dos trabalhadores e dos povos, como é claro nas alternativas que alguns estados estão a procurar na América Latina, com destaque para a Venezuela e a Bolívia.
Entretanto, não desistindo dos seus intentos, e dando seguimento ao acordo PSE/PPE, que culminou no debate e na votação no Parlamento Europeu em 16 de Fevereiro de 2006, depois da manifestação de trabalhadores em Estrasburgo, que obrigou a alguns retoques, embora mantendo o essencial, o Conselho Europeu, cedendo à pressão do grande capital, apresentou já a segunda proposta relativa ao projecto de directiva sobre serviços no mercado interno, prosseguindo assim com a famigerada directiva Bolkestein (1).
A actual proposta de compromisso do Conselho, embora sem fazer referência expressa ao país de origem, abre caminho a uma desregulamentação massiva e à aplicação deste princípio do país de origem, ao remeter expressamente para a interpretação do Tribunal de Justiça Europeu a resolução de conflitos que possam surgir por normas que os estados-membros insistam em tomar ou manter na defesa dos seus interesses, incluindo regras em matéria de condições de emprego, ou quando sublinha que não podem prejudicar a aplicação das regras de concorrência.
Um dos aspectos mais negativos desta segunda leitura é a inclusão da divisão dos chamados Serviços de Interesse Geral (SIG), que vulgarmente conhecemos como serviços públicos, em: serviços de interesse económico geral e serviços sociais de interesse geral para acrescentar que esta directiva só não se aplica aos serviços sociais de interesse geral, deixando cair algumas defesas dos serviços públicos que o PE tinha incluído na sua primeira leitura de 16 de Fevereiro. Apenas resistiram alguns serviços sociais, serviços de cuidados de saúde, actividades relacionadas com o exercício da autoridade pública e de segurança privada, serviços audiovisuais, actividades de jogos a dinheiro e serviços de agências de trabalho temporário.
Mas, dando continuidade ao texto inicial de 2004, prossegue a desregulamentação massiva, ao afirmar em diversos artigos que os Estados devem suprimir das suas legislações e regulamentações disposições que imponham a um fornecedor ou a um prestador de serviços provenientes de um outro Estado-membro, designadamente:
- requisitos de nacionalidade para o prestador, o seu pessoal, as pessoas que detêm o capital social ou os membros dos órgãos de gestão;
- ter um estabelecimento nesse território;
- obter uma autorização, estar inscrito num registo, estar inscrito numa ordem profissional ou associação;
- condições de reciprocidade com o Estado-Membro;
- dotar-se de certas infra-estruturas ou equipamentos;
- requisitos que impõem um número mínimo de empregados.
Assim, fica a questão: Como será possível verificar o respeito do direito do trabalho a um operador que não está registado, que não tem residência fixa, que é livre de determinar a qualificação do seu pessoal e o número de pessoas a admitir?
Também o artigo 16.º sobre a liberdade de prestação de serviços só não é aplicável a alguns serviços de interesse económico geral onde já há outras directivas sobre liberalizações como os correios, a electricidade, o gás e a algumas outras áreas muito específicas, designadamente o destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviço, aos serviços de distribuição e abastecimento de água, serviços de tratamento de águas residuais e tratamento de resíduos. Mas já é aplicável, por exemplo, à captação de água, ao turismo e serviços de guias, à educação, formação, cultura e à generalidade dos serviços de empresas, não podendo sequer ser invocada a necessidade de defesa dos consumidores e utentes dos serviços ou razões de ordem social.
Relativamente ao país de origem, como o novo texto nada diz sobre a legislação aplicável à empresa, por ter sido suprimida a expressão «país de origem», mas não refere a expressão «país de destino ou de acolhimento» que o nosso Grupo da Esquerda Unitária Europeia apresentou no debate do PE, por ter sido recusada, fácil é concluir que, na dúvida, o Tribunal de Justiça Europeu continuará a decidir como tem feito até agora, aplicando a legislação do país de origem, aliás, disposição introduzida no direito comunitário pelo Acto Único proposto em 1986 por J. Delors. A aprovação final poderá ocorrer ainda este ano, se não houver suficiente oposição no PE e nos respectivos países.
Por tudo isto, impõe-se uma redobrada luta contra a famigerada directiva Bolkestein.
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(1) O texto inicial da Comissão Europeia – COM (2004) 2 final, data de 13/01/04, ou seja, da anterior Comissão presidida por Prodi. A segunda versão data de 4 de Abril de 2006 e a segunda leitura do Conselho tem a data de 29 de Maio de 2006.
Surgiu, entretanto, a proposta da dita constituição europeia, visando a consagração de todos estes instrumentos num documento e numa construção global que dote as instituições dos mecanismos legais que permitam levar à prática os objectivos do capitalismo, nesta sua fase mais agressiva, de concentração/centralização do capital nos grandes grupos económico-financeiros.
É certo que a elite dirigente não está sozinha. A luta de classes e a luta dos povos existe. Por isso, este caminho do capitalismo não é uma auto-estrada. Os escolhos surgiram e algo foi interrompido, pelo menos temporariamente, como aconteceu o ano passado, com o não à dita constituição europeia nos referendos da França e da Holanda, embora estejam a procurar caminhos alternativos para chegar ao mesmo destino, de que a proposta de directiva dos serviços é um exemplo.
Mas também esses caminhos podem ser interrompidos, como aconteceu com a proposta de directiva de liberalização dos portos. Depende da luta dos trabalhadores e dos povos, como é claro nas alternativas que alguns estados estão a procurar na América Latina, com destaque para a Venezuela e a Bolívia.
Entretanto, não desistindo dos seus intentos, e dando seguimento ao acordo PSE/PPE, que culminou no debate e na votação no Parlamento Europeu em 16 de Fevereiro de 2006, depois da manifestação de trabalhadores em Estrasburgo, que obrigou a alguns retoques, embora mantendo o essencial, o Conselho Europeu, cedendo à pressão do grande capital, apresentou já a segunda proposta relativa ao projecto de directiva sobre serviços no mercado interno, prosseguindo assim com a famigerada directiva Bolkestein (1).
A actual proposta de compromisso do Conselho, embora sem fazer referência expressa ao país de origem, abre caminho a uma desregulamentação massiva e à aplicação deste princípio do país de origem, ao remeter expressamente para a interpretação do Tribunal de Justiça Europeu a resolução de conflitos que possam surgir por normas que os estados-membros insistam em tomar ou manter na defesa dos seus interesses, incluindo regras em matéria de condições de emprego, ou quando sublinha que não podem prejudicar a aplicação das regras de concorrência.
Um dos aspectos mais negativos desta segunda leitura é a inclusão da divisão dos chamados Serviços de Interesse Geral (SIG), que vulgarmente conhecemos como serviços públicos, em: serviços de interesse económico geral e serviços sociais de interesse geral para acrescentar que esta directiva só não se aplica aos serviços sociais de interesse geral, deixando cair algumas defesas dos serviços públicos que o PE tinha incluído na sua primeira leitura de 16 de Fevereiro. Apenas resistiram alguns serviços sociais, serviços de cuidados de saúde, actividades relacionadas com o exercício da autoridade pública e de segurança privada, serviços audiovisuais, actividades de jogos a dinheiro e serviços de agências de trabalho temporário.
Mas, dando continuidade ao texto inicial de 2004, prossegue a desregulamentação massiva, ao afirmar em diversos artigos que os Estados devem suprimir das suas legislações e regulamentações disposições que imponham a um fornecedor ou a um prestador de serviços provenientes de um outro Estado-membro, designadamente:
- requisitos de nacionalidade para o prestador, o seu pessoal, as pessoas que detêm o capital social ou os membros dos órgãos de gestão;
- ter um estabelecimento nesse território;
- obter uma autorização, estar inscrito num registo, estar inscrito numa ordem profissional ou associação;
- condições de reciprocidade com o Estado-Membro;
- dotar-se de certas infra-estruturas ou equipamentos;
- requisitos que impõem um número mínimo de empregados.
Assim, fica a questão: Como será possível verificar o respeito do direito do trabalho a um operador que não está registado, que não tem residência fixa, que é livre de determinar a qualificação do seu pessoal e o número de pessoas a admitir?
Também o artigo 16.º sobre a liberdade de prestação de serviços só não é aplicável a alguns serviços de interesse económico geral onde já há outras directivas sobre liberalizações como os correios, a electricidade, o gás e a algumas outras áreas muito específicas, designadamente o destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviço, aos serviços de distribuição e abastecimento de água, serviços de tratamento de águas residuais e tratamento de resíduos. Mas já é aplicável, por exemplo, à captação de água, ao turismo e serviços de guias, à educação, formação, cultura e à generalidade dos serviços de empresas, não podendo sequer ser invocada a necessidade de defesa dos consumidores e utentes dos serviços ou razões de ordem social.
Relativamente ao país de origem, como o novo texto nada diz sobre a legislação aplicável à empresa, por ter sido suprimida a expressão «país de origem», mas não refere a expressão «país de destino ou de acolhimento» que o nosso Grupo da Esquerda Unitária Europeia apresentou no debate do PE, por ter sido recusada, fácil é concluir que, na dúvida, o Tribunal de Justiça Europeu continuará a decidir como tem feito até agora, aplicando a legislação do país de origem, aliás, disposição introduzida no direito comunitário pelo Acto Único proposto em 1986 por J. Delors. A aprovação final poderá ocorrer ainda este ano, se não houver suficiente oposição no PE e nos respectivos países.
Por tudo isto, impõe-se uma redobrada luta contra a famigerada directiva Bolkestein.
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(1) O texto inicial da Comissão Europeia – COM (2004) 2 final, data de 13/01/04, ou seja, da anterior Comissão presidida por Prodi. A segunda versão data de 4 de Abril de 2006 e a segunda leitura do Conselho tem a data de 29 de Maio de 2006.